sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

José Saramago e a estrutura social.


Escritor aclamado e premiado, José Saramago é dono de uma escrita contagiante. Ao se começar a ler qualquer um de seus romances o leitor é preso pela maneira singular que o escritor tem de narrar uma estória, e, seguramente, não deitará o livro sem aquela angústia que nos causa as suas inusitadas situações criadas. E acredito que empreguei adequadamente o termo 'inusitadas' para as situações criadas pelo autor. Uma epidemia de cegueira branca que se espalha por um país, ou um pedaço de terra que se desprende de repente do continente e começa a navegar sozinho não me parecem situações muito corriqueiras. Costumo definir literatura como um mundo possível, e nesse sentido, Saramago é mestre em criar possibilidades para os nossos mundos. Não apenas sua escrita milagrosa, inteligente e bem trabalhada, também os argumentos de seus romances são fascinantes.
Saramago não diz, sugere. E atrás de suas tramas bem articuladas se pode notar uma crítica feroz ao modelo de sociedade ao qual estamos estruturados. Em A Caverna essa crítica parece mais aberta, com Cipriano Algor lutando por sobreviver em um mundo que tudo descarta, um mundo onde ele parece não ter mais lugar, mais serventia. Retomando Platão, Saramago nos conta uma estória moderna de como vivemos em um mundo de ilusões, e de como a sociedade se estrutura para manter os indivíduos acorrentados ao modelo social e de vida já pré-estabelecidos.
Mas se em A Caverna essa crítica à estrutura social parece mais declarada, em outros romances ela é sugerida por detrás das tramas centrais das estórias. Em Ensaio Sobre a Cegueira, a estória sobre a epidemia de cegueira branca carrega implicações de como é frágil a nossa estrutura social. Em questão de dias o país se converte num caos. Saramago nos mostra uma sociedade frágil e fragilizada, caótica e egoísta, e trabalha os mais diversos instintos humanos nessa estória de luta pela sobrevivência em um mundo novo e desconhecido.
A estrutura social é novamente bagunçada quando se trata de A jangada de Pedra. Quando inexplicavemente a Península Ibérica se desprende da Europa, seus habitantes abandonam seus lares e partem em um êxodo sem rumo, eles próprios dentro da península, e a própria península, que parece navegar sem direção. Nessa atmosfera de falta de rumo, além da clássica pergunta: 'quem somos?, onde estamos?, para onde iremos?', a estrutura social entra em colapso quando se descobre que a península irá se chocar com outro pedaço de terra. Saramago descreve então o caos na sociedade, a situação das cidades, dos aeroportos, das estradas, dos hotéis, e mais importante, das pessoas.
E os exemplos não se esgotam aqui. Poderia ainda citar As intermitências da morte, quando esta para de trabalhar por puro capricho, levando a sociedade a uma situação mais do que caótica. Poderia também falar de Levantado do chão e sua temática do mais forte explorando o mais fraco, ou ainda a descrição hierárquica do Conservatório Geral do Registo Civil de Todos os Nomes. Em seus romances, seja abertamente, seja nas entrelinhas, Saramago nos chama a atenção para a estrutura social e sua fragilidade. Por isso deve ser leitura obrigatória. Mais do que situações inusitadas e mundos possíveis dentro de suas páginas, temos um retrato muito bem pintado do mundo em que estamos inseridos.

3 comentários:

Jay Jay disse...

Que por ser tímido se refugia numa capa de altivez, triste com a pátria que nunca o reconheceu ou condecorou, nem mesmo depois de receber o premio Nobel recolhe-se em Lanzarote, que faz dele uma ilha. E daquele deserto de rocha e areia ele brota alma em forma de letras. As peças de teatro dele são indescritivelmente chatas, salvam-se, então as obras-primas, e o talento jorra a rodos, em escrita complexa e apaixonante. O melhor que li dele? Sim, falo sem hesitar: O Ano de 1993 e o Memorial do Convento.
Sou ingrato porque sua crónica me mereceu um comentário tão pequeno, ela que me encheu de emoção.
As vezes escutamos os mesmos sons e musicas, outras lemos os mesmos livros.
Eu tinha tanto para lhe contar…

Fabiana disse...

Dá-lhe Saramago!
Me impressiona a arte de seus romances.
Estou na metade de "Ensaio Sobre a Cegueira", e acredito que não me desprendo dele por horas, dias...


"Por isso deve ser leitura obrigatória."

:)

John John disse...

Sabe que sou um dos maiores admiradors de JS existentes, tendo todos os livros e os devorado varias vezes...
Bom ver que ele continua indo em frente. Alias, o que achou de CAIM?

JOhn john