sexta-feira, 29 de abril de 2011

O Processo - Franz Kafka


O Processo, de Kafka, é um dos maiores romances do século XX. Mas desta vez o labirinto kafkiano não me despertou grandes interesses. Não sei, mas nao gostei.

sábado, 23 de abril de 2011

Boquitas Pintadas - Manuel Puig


A literatura hispano-americana é famosa por sua inovação no estilo de narrar. Quem já leu algo de Gabriel García Márquez, de Mario Vargas Llosa ou de Julio Cortázar sabe do que estou falando. No entanto, nenhuma narrativa até hoje me pareceu mais interessante do que a do argentino Manuel Puig em Boquitas Pintadas. Nesse romance a ausência do narrador é quase que total. Quase pode-se dizer que não há um narrador, o que há é um organizador que coloca em ordem uma série de gêneros da linguagem e que na sua totalidade compõe a obra e a tornam compreensível. Trata-se de cartas, de documentos de polícia, de documentos de hospitais, e de diálogos que não sofrem interferência alguma do narrador. O narrador não se intromete na estória, não emite opinião, não interfere em nada, apenas reúne uma série de informações que dão conta de mostrar uma estória de crime e paixão. Um experimento linguístico muito bem elaborado. Com Boquitas Pintadas Manuel Puig consegue mostrar uma maneira inteligente e interessante de se fazer literatura.

domingo, 17 de abril de 2011

Dom Casmurro - Machado de Assis.


Pela quinta vez eu percorro as páginas do livro que ocupa o primeiro lugar no ranking dos livros de que mais gosto: Dom Casmurro, de Machado de Assis. Como muito já foi escrito sobre a estória de Bento Santiago e Capitolina, me proponho a escrever sobre por que alguém lê um mesmo livro pela quinta vez. Logo no início do livro, o narrador Bento Santiago justifica os motivos que o fazem por a pena na mão. Segundo Bentinho, a intenção em escrever o livro era unir as duas pontas de sua vida, o presente e o passado, já que todas suas tentativas para tal foram frustradas. Resumindo, Bento escreve para relembrar. E para relembrar também eu percorro uma vez mais as páginas do nosso solitário narrador. Ao avançar pelas páginas de Dom Casmurro, histórias minhas vão saindo das palavras lidas, imagens avivam-se em minha mente, como quando Bento vê reviverem em sua mente estórias e pessoas ao ler depois de moço o Panegírico de Santa Mônica. Não sei se me fiz entender. Explico-me. Ao ler Dom Casmurro pela quinta vez, as outras quatro leituras me vêm à mente. Lembro-me de quando ganhei o livro e da primeira vez que o li, ainda em Porto Alegre. Lembro-me também das duas leituras que fiz para disciplinas da faculdade, e pessoas esquecidas e abandonadas em algum lugar qualquer da minha mente reaparecem: professores, alunos, corredores, anfiteatros. Cada leitura de Dom Casmurro, além de ser mais uma leitura do livro que me fascina, é a leitura de mim, das partes da minha vida que gosto de reviver, de relembrar, partes da vida que tenho a intenção de unir. Não só de palavras estão feitos os livros, eles também são capazes de carregar e guardar consigo uma infinidade de sensações que provamos nas leituras. Quando pela sexta vez eu tornar a ler Dom Casmurro, me lembrarei das demais leituras, das situações em que cada uma delas foram feitas, e com Bento Santiago, não apenas reviverei seus dilemas e sua estória, estarei também eu unindo as pontas da minha vida.

domingo, 10 de abril de 2011

A insustentável leveza do ser - Milan Kundera.


Para mim, mais difícil do que uma leitura pouco prazerosa é ter de escrever sobre uma leitura pouco prazerosa. Sempre ouvi falar muito bem de A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera, e não sei se devido a isso, fui cheio de expectativas ao ler a obra mas o sentimento que experimentei foi de frustração. Não que a estória seja ruim. Mas me pareceu uma literatura muito panfletária. O autor quer dar conta de um momento histórico crucial para seu país, e acaba fazendo da literatura um canal para expurgar seus demônios. Sei que Milan Kundera é romancista e pensador de renome internacional, mas por vezes, o romance parece interessar mais à História do que à Literatura. Descrições chatas sobre fatos históricos se misturam a opinião do narrador sobre esses fatos. Por vezes tem-se a sensação de estar lendo um livro de filosofia, ou de história crítica. A estória de Tereza, Tomas, Sabina e Franz parece apenas um pretexto para que o autor escreva sobre a opressão política que seu país vivenciou. Isso não quer dizer que o livro não seja interessante. É. Mas foge, a meu ver, um pouco à proposta de romance literário. Outros escritores conseguiram unir História e Ficção com maior maestria. Pelo menos do meu ponto de vista.

quinta-feira, 31 de março de 2011

O Ano da Morte de Ricardo Reis - José Saramago.


Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo. Essa frase de Ricardo Reis define esse interessante personagem que ganha vida nas bem escritas letras de Saramago. O Ano da Morte de Ricardo Reis é um romance ousado, que propõe um pacto ficcional interessantíssimo, em que criador e criatura se encontram em um mundo que só é possível no universo das palavras. Criador é Fernando Pessoa, Ricardo Reis é seu heterônimo, mas a maneira como Saramago brinca com essa sutileza faz com que ambos possam existir de maneira autêntica dentro do universo ficcional. Ricardo Reis, depois de seu exílio no Brasil, volta a Portugal, e ao encontrar um país marcado por conflitos internos e externos, se põe a apreciar o espetáculo do mundo. Na sua prosa poética, Saramago tece reflexões sobre política, sobre literatura, sobre o cotidiano, sobre a vida. Solitário, recebendo visitas ocasionais de Lídia, uma criada de um hotel, da menina Marcenda, por quem se apaixona, e de ninguém menos que Fernando Pessoa, Ricardo Reis reflete a condição do homem no mundo. Romance ao melhor estilo de Saramago.

terça-feira, 8 de março de 2011

Orgulho e Preconceito - Jane Austen.


Uma das principais obras do classicismo inglês, Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, é uma obra tão rica que fica difícil esgotá-la em apenas uma resenha de impressões de leitura. Um jovem chega a uma pequena cidade e logo desperta a curiosidade e o interesse das moças e das famílias que pretendem arranjar um bom casamento para suas filhas solteiras. O enredo é perfeito para que se desenrole uma história de amor. No entanto, o leitor se surpreende quando as histórias de amor são apresentadas sem aquelas exacerbações típicas desse tipo de história. A racionalidade dos personagens, além de garantir sua caracterização, confere um objetivismo à obra que não permite que ela se atrase ou se perca, pelo contrário, a torna dinâmica não deixando o leitor largar o livro. Jane Austen nos apresenta um retrato da sociedade daquele tempo, com jovens endinheirados e a mediocridade da vida que levavam, com jantares, bailes, passeios, chás, e o preconceito que mantinha as diferenças de classes bem marcadas. Talvez a construção dos personagens seja o que mais mereça destaque nessa obra de Jane. Mr. Bennet, chefe de uma família com cinco moças, nos poucos diálogos que trava ao longo da obra, tem a ironia sempre (ou quase sempre) presente. Como Mr. Bennet, os demais personagens (princpipalmente os protagonistas Elizabeth e Mr. Darcy) são construídos a partir de suas falas. Não há grandes detalhes do narrador sobre suas personalidades, ao invés disso, são os próprios personagens que se constroem, a medida em que vão travando conversações ao longo das mais de 400 páginas do livro. Eles mesmos se apresentam, se definem, por suas falas e por suas atitudes. As situações vão se descortinando aos poucos, os personagens vão se construindo a partir de suas ações, e a obra a cada página se torna mais interessante. Tão interessante que o cinema a levou para as telas.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Laços de Família - Clarice Lispector.


A escrita de Clarice Lispector é densa. Talvez por isso, a primeira vez que li Laços de Família (e era a primeira vez que lia Clarice) achei o livro confuso e entediante. Talvez porque o que marca a escrita de Clarice é exatamente essa subjetividade, essa imersão do narrador no íntimo do personagem. Suas estórias não apresentam um grande enredo, ao invés disso o narrador desvenda o interior do personagem, apresentando suas reflexões, seus dilemas, seus dramas, seus questionamentos, sua existência conflituosa. Apesar de seu vocabulário simples, Clarice nos leva por caminhos inquietantes, capazes de nos proporcionar momentos de epifania. Neste livro de contos, os detalhes do cotidiano são desmascarados e revelados sob o olhar atento da escritora.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

A Viuvinha - José de Alencar.


O amor e o dinheiro são os ingredientes básicos para os chamados romances urbanos de José de Alencar. A vida da sociedade carioca da metade do século XIX é retratada pela pena do romancista em diversos títulos. Acredito que todos já leram ao menos um dos chamados romances urbanos de Alencar, ainda que tenha sido nos tempos de escola. Alencar nos mostra em seus romances urbanos uma classe caracterizada pelo ócio. O amor surge como pretexto para a ruptura dessa pasmaceira de vida da classe média. Em A Viuvinha essas características aparecem muito claramente. Embora seja um romance de entretenimento, podemos ler uma crítica a essa classe ociosa. O dinheiro e o amor permeiam o enredo, tecem conflitos. Não havendo esses dois ingrediente, não há história, e a vida dos protagonistas cai na banalidade. Em poucas linhas, Alencar pinta a elite de uma sociedade ainda em formação. Leitura interessante.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A fúria do corpo - João Gilberto Noll.


Sempre que eu ler João Gilberto Noll me lembrarei de um professor que eu adorava na faculdade. Segundo esse professor, Noll pode ser considerado um dos melhores escritores brasileiros da atualidade. Afirmação justa. Já li e reli Noll, e sempre a leitura me prende como se fosse a primeira vez. Tudo na literatura dele é diferente, nada é definido e nada é definitivo. Em A Fúria do Corpo, o personagem que se recusa a dizer seu nome nos convida a percorrer com ele as ruas de um Rio de Janeiro que não o mostrado nas novelas da Rede Globo. No entanto não se trata de uma literatura de crítica social, do tipo literatura engajada. Trata-se da condição do ser humano, essa condição de errante, de estar sempre indo para algum lugar, e ainda assim, com essa sensação de estar sempre perdido. Noll nos prova que se pode fazer literatura (e boa literatura) sem grandes argumentos, afinal, estamos diante de um personagem sem nome, confuso, que mal sabe quem ele é. Um personagem que vaga, divaga, e sujeita o seu corpo às mais diversas situações. Corpo e alma compõe esse personagem que, mesmo sem nome, é de uma complexidade fascinante. O corpo em sua fúria desvenda a natureza humana. Corpo que justamente por não ter nome, pode ser de qualquer um de nós. Corpo que fala, e usa de uma linguagem capaz de chocar o leitor acostumado a uma literatura mais domesticada. Em A Fúria do Corpo, João Gilberto Noll rompe alguns padrões estéticos da literatura, e trabalha uma escrita que consegue expressar a fúria em que se encontra o corpo do narrador. O texto de Noll dentro do panorama da literatura nacional é inovador. Noll brinca com alguns conceitos como a verossimilhança, brinca com a palavra, com a composição dos personagens, e brinca com a literatura, de maneira séria, inteligente e eletrizante.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

La Casa Verde - Mario Vargas Llosa.


Lembro da minha primeira leitura de Mario Vargas Llosa. Foi La ciudad y los Perros, e juro que nas primeiras dez páginas eu queria jogar o livro longe, mas como precisava ler para uma disciplina na faculdade, continuei, e ao final da leitura, o livro entrou pra minha lista de livros preferidos. Depois disso eu pensei que seria difícil me surpreender com algum outro livro do Vargas Llosa, e esperei dois anos para ler La Casa Verde. Livro longo, difícil, demorado, mas com os mesmos encantos do outro que eu havia lido anteriormente. Vargas Llosa é um escritor peruano, um dos nomes mais importantes do chamado boom da literatura latinoamericana, ao lado de García Márquez, de Carlos Fuentes, de Cortázar e de tantos outros. Seu estilo é único, particular. No caso de La Casa Verde (como também é em La Ciudad y losPerros), a obra toda é um quebra-cabeça, cheia de pequenas partes que funcionam como peças, e somente juntando essas peças é que se pode ter uma ideia ampla do enredo. A leitura exige um leitor inteligente e atento. As vozes de diversos personagens se entrelaçam, tendo como pano de fundo a história da Casa Verde, um prostíbulo que muda a vida da cidade e de seus habitantes. Assim como em La Ciudad y los Perros, a leitura começa difícil, até um tanto chata, mas vale a pena superar as primeiras páginas pra começar o interesse pelo livro. Uma história bonita não só pelo seu argumento, que a meu ver é fantástico, mas também pela escrita, pela maneira única que Vargas Llosa tem de narra uma estória. Literatura inteligente, desafiadora, inovadora. Literatura feita por quem sabe fazer. É por isso que Vargas Llosa entra agora para minha lista de escritores preferidos.
Observação: aos interessados, existe tradução em português.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Viagens na minha terra - Almeida Garret.


Resolvi terminar o mês de janeiro lendo Viagens na Minha Terra, do português Almeida Garret.Com a primeira leitura feita em 2007, agora, quatro anos mais tarde, aprecio a obra com mais maturidade para entender a ironia e a crítica do autor à Portugal da época romântica. O autor nos toma pela mão e nos faz olhar um país diferente daquele idealizado nos livros de literatura. Nos faz ver que nem tudo são flores, e tudo com uma escrita deliciosamente irônica. Para que o livro não caia na monotonia de um simples diário de viagens, somos presenteados com a estória da menina dos rouxinóis, a Joaninha dos olhos verdes. Estória romântica, com os ingredientes que não podem faltar nessa escola literária, já que Garret é um dos grandes nomes do romantismo português. Mesclando relatos de viagens com a estória de Joaninha, misturando reflexões com entretenimento, Garret nos presenteia com uma literatura inteligente ao mesmo tempo que prazerosa. Não à toa, décadas depois, Saramago dedica sua Viagem a Portugal a Almeida Garret, chamando-o mestre de viajantes. Aceitemos então Garret como guia, e percorramos Portugal, contemplando as cores que o escritor pintou no seu relato.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O coração das trevas - Joseph Conrad.


Eu me propus a resenhar todos os livros que lesse, pra ter um acervo guardado e assim quando quisesse me lembrar de algum deles, pudesse consultar as resenhas. É pra isso que o Letras Mal Escritas existe. Não escrevo pra ninguém senão pra mim mesmo. E nessa brincadeira algumas pessoas maravilhosas passam por aqui pra conferir as baboseiras que escrevo. Pois bem, como me propus a resenhar os livros, acontece, vez ou outra, de ter que resenhar um livro cuja leitura não foi a que mais me empolgou. É o caso de O Coração das Trevas, de Joseph Conrad. Na verdade, do ponto de vista narrativo ele é muito interessante. Dois narradores nos contam a estória, e isso é muito bem trabalhado na obra. No entanto, apesar dos atrativos estéticos, o argumento não me chamou a atenção e fez com que eu fosse até o final do livro com aquele desejo de me livrar dele logo. Não estou dizendo com isso que o livro é ruim. Quem leu minha última resenha deve se lembrar que eu não tinha gostado da minha primeira leitura de Relato de um Certo Oriente, do Hatoum, e na minha segunda leitura fiquei extasiado com o livro. Por isso repito, não estou escrevendo aqui que O Coração das Trevas é um livro ruim. Longe disso. Estou apenas compartilhando uma experiência de leitura que não foi das melhores. Quem sabe em outro momento eu consiga me apaixonar pelo livro. Ou quem sabe eu leio novamente e o deteste deveras. A estória da violência do colonialismo europeu na África é interessante e narrada com maestria pelo autor. Acredito que o culpado fui eu, talvez fiz uma leitura muito desatenta, ou preguiçosa. Espero um dia, ao reler o livro, escrever aqui uma resenha elogiosa. E espero, sinceramente, que alguns dos meus poucos leitores do blog, se já leram esse livro, me convençam de que li de má vontade.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Relato de um Certo Oriente - Milton Hatoum.


É algo curioso. Lembro que minha primeira leitura de Relato de um Certo Oriente, de Milton Hatoum, não me causou boa impressão. Achei que fosse um livro que eu jamais leria de novo. Achei confuso, entediante, chato mesmo. E por todos esses motivos, resolvi dar mais uma chance ao livro e o reli dois anos depois. A impressão foi completamente outra. Chego quase ao ponto de arriscar que esse relato confuso e falsamente bagunçado pode ganhar seu lugar na minha lista de livros preferidos. A vida de Emilie, a matriarca de uma família libanesa, é contada sob diversos pontos de vista, pela voz de diversos narradores. O relato é plural, ao mesmo tempo que há uma mulher que o organiza, ele é fruto de várias vozes que dialogam sobre a vida da matriarca. As falas alternadas dos personagens nos apresentam um mundo que já não existe, mas que insiste em ser lembrado. Solidão, morte, fraquezas, ódio, todos são ingredientes deste relato que nada mais é do que a constatação da vida como ela é. Essa segunda leitura do primeiro romance de Hatoum me ganhou. Por isso, continuo afirmando que em apenas uma leitura não se pode esgotar uma obra. Arriscaria dizer que em apenas uma leitura mal chegamos a conhecer a obra verdadeiramente. Então deixemos um pouco algumas coisas de lado e gastemos um tempo com os livros. Eles são capazes de mudar a visão que temos do mundo, da vida, de nós, e como foi o caso dessa releitura, a visão que temos do próprio livro.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Marília de Dirceu - Tomás Antônio Gonzaga.


O poeta é um fingidor, já dizia Fernando Pessoa. E nosso poeta árcade, Tomás Antônio Gonzaga é exemplo desse célebre verso do escritor português. A poesia nunca foi o meu forte, basta olhar para esse blog e constatar que a grande maioria de textos escritos se referem a resenhas de romances, e uma pequena fatia cabe aos contos. Poesia então, passa longe. Não que eu não goste de poesia, mas confesso minha deficiência na análise desse gênero literário, e por quê não confessar, a prosa romanesca me chama muito mais a atenção. Depois dessas desculpas posso, sem pretensão alguma, deixar cá impressas as minhas impressões dessa nossa obra árcade. Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) veste teatralmente a roupagem do apaixonado, como afirma Massaud Moisés na sua História Da Literatura Brasileira, e finge alimentar uma paixão, encara com gosto a arte da encenação do pastor apaixonado por sua musa. E a louva em todas as liras. Sempre em conformidade com os esteriótipos arcádios, enquanto o poeta louva sua musa aparecem o carpe diem, a exaltação da natureza, a retomada dos valores clássicos, e todas as demais características do aracadismo. Marília se torna o objeto do seu amor e a desculpa para o seu fazer poético. Vale a pena a leitura.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Ressurreição - Machado de Assis.


Machado de Assis, o mais amado e o mais odiado escritor brasileiro, é conhecido pelos leitores por suas obras mais famosas e mais maduras do ponto de vista literário. Difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar de Capitu, ou que não conheça a máxima do filósofo Quincas Borba: “ao vencedor as batatas.” No entanto, talvez pelo trauma que muitos nutrem em relação à literatura machadiana por sua obrigatoriedade no ensino, e pela falta de profissionais competentes para abordar a complexidade da obra do nosso escritor para jovens estudantes, Machado acaba se transformando em um monstro genial, que deve interessar apenas aos profissionais de literatura e aos intelectuais de plantão. Enganam-se. Machado é um exímio descobridor da natureza humana. Nenhum escritor nacional soube explorar o comportamento do homem como Machado de Assis. Nenhum denunciou tão sutilmente as relações entre os homens como fez o nosso gênio. E se pensamos nas suas obras maduras como Dom Casmurro, Quincas Borba, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Esaú e Jacó, Memorial de Aires, não nos esqueçamos que já na sua fase romântica o escritor apresentava características inovadoras para a literatura da época; já na sua primeira fase literária Machado ia a fundo na investigação introspectiva dos personagens. Ressurreição, seu primeiro romance publicado em 1872 traz a conflituosa relação entre os sexos, que anos mais tarde seria novamente explorada em seu clássico Dom Casmurro. Já no seu romance de estréia Machado nos presenteia com uma mulher independente e altiva diante dos códigos sociais de sua época. Lívia, a protagonista, é de uma complexidade fascinante, como é a Capitu de Bentinho. Machado desenvolve algo que podemos chamar de romantismo realista, pois embora inspirada na escola de José de Alencar, a fase romântica de Machado é distinta em seus conceitos e estética. Machado não procura apresentar uma visão totalizante do país, ao invés disso trabalha com um recorte urbano, em que aborda as relações de poder entre os indivíduos da sociedade, sejam homens ou mulheres. Embora algumas características predominantes da escola romântica estejam presentes na primeira fase literária de Machado, como o amor febril, o bem versus mal, por exemplo, Machado recusa as temáticas indianistas, e outras temáticas da escola de Alencar, e começa a escrever uma obra que ganha caráter distinto dentro do quadro da literatura nacional. Machado, ao invés do ufanismo e da exaltação do Brasil, se concentrará nas relações sociais entre os indivíduos. Para Machado, a identidade nacional não está nos índios, nas árvores ou na natureza, mas sim na sociedade. E já em Ressurreição o leitor pode encontrar um retrato do Brasil da época, descrito através de relações entre os indivíduos que, salvo algumas características de tempo e espaço, são relações que pouco ou nada se alteraram ao longo dos anos, desde que a obra foi escrita. Desde seu primeiro romance até o último, bem como em seus contos, Machado soube retratar o Brasil não procurando caracterizá-lo como uma terra distinta das outras, mas chamando a atenção para uma sociedade que não é diferente das outras. Sua denúncia se aplicaria a qualquer lugar em que indivíduos são obrigados a manter relações sociais. Por isso a crítica de Machado continua viva, e nossos leitores devem perder (se o tem) o trauma do mais genial escritor que a literatura brasileira concebeu. Machado não é leitura de vestibular. Machado é leitura do homem e das relações que ele estabelece com o meio onde está inserido. Leiamos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A bagagem do viajante - José Saramago.


Acostumado com os romances de Saramago, para começar o ano me propus a ler um gênero diferente de um de meus escritores preferidos, e tomei nas mãos A Bagagem do Viajante. Trata-se de uma coletânea de crônicas que o escritor publicou primeiramente em jornais e que foram mais tarde reunidas em livro. Eu, admirador da prosa de Saramango desde algum tempo, mas que só havia lido romances do autor português, fiquei apreensivo antes de começar a ler. Imaginava como seria a escrita de Saramago em outro gênero literário e, confesso, tinha medo de me decepcionar. Para alívio meu, enganei-me. E para ser honesto, nunca li crônicas que me soaram tão poéticas como muitas que compõe essa coletânia. Através dos mais variados assuntos, Saramago propõe uma reflexão sobre a vida e sobre a relação homem/mundo. A consição se constitui a principal marca das crônicas reunidas neste livro. Não passam de três páginas. Para os leitores acostumados com seus longos romances, é incrível ver como Saramago condensa suas ideias de maneira primorosa deixando sempre no ar uma reflexão sobre os temas sobre os quais escreve. E sua escrita é tão ágil e ao mesmo tempo tão encantadora que reconhecemos o romancista presente ali, por trás do cronista. A vida em sua diversidade se torna escrita. Tudo é motivo para o escritor nos mostrar o mundo através das palavras: mulheres fumando em um restaurante, os fogos de artifícios portugueses, uma declaração de amor em um muro, um bêbado no meio na rua, tudo se faz motivo para que Saramago poetize através de suas breves crônicas, e lance no papel as palavras que desvendam as diversas paisagens da vida. Aqui Saramago nos sugere que a vida é uma viagem, e que nossa bagagem é fruto do que sabemos ler no cotidiano nosso de cada dia.