domingo, 30 de janeiro de 2011

Viagens na minha terra - Almeida Garret.


Resolvi terminar o mês de janeiro lendo Viagens na Minha Terra, do português Almeida Garret.Com a primeira leitura feita em 2007, agora, quatro anos mais tarde, aprecio a obra com mais maturidade para entender a ironia e a crítica do autor à Portugal da época romântica. O autor nos toma pela mão e nos faz olhar um país diferente daquele idealizado nos livros de literatura. Nos faz ver que nem tudo são flores, e tudo com uma escrita deliciosamente irônica. Para que o livro não caia na monotonia de um simples diário de viagens, somos presenteados com a estória da menina dos rouxinóis, a Joaninha dos olhos verdes. Estória romântica, com os ingredientes que não podem faltar nessa escola literária, já que Garret é um dos grandes nomes do romantismo português. Mesclando relatos de viagens com a estória de Joaninha, misturando reflexões com entretenimento, Garret nos presenteia com uma literatura inteligente ao mesmo tempo que prazerosa. Não à toa, décadas depois, Saramago dedica sua Viagem a Portugal a Almeida Garret, chamando-o mestre de viajantes. Aceitemos então Garret como guia, e percorramos Portugal, contemplando as cores que o escritor pintou no seu relato.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O coração das trevas - Joseph Conrad.


Eu me propus a resenhar todos os livros que lesse, pra ter um acervo guardado e assim quando quisesse me lembrar de algum deles, pudesse consultar as resenhas. É pra isso que o Letras Mal Escritas existe. Não escrevo pra ninguém senão pra mim mesmo. E nessa brincadeira algumas pessoas maravilhosas passam por aqui pra conferir as baboseiras que escrevo. Pois bem, como me propus a resenhar os livros, acontece, vez ou outra, de ter que resenhar um livro cuja leitura não foi a que mais me empolgou. É o caso de O Coração das Trevas, de Joseph Conrad. Na verdade, do ponto de vista narrativo ele é muito interessante. Dois narradores nos contam a estória, e isso é muito bem trabalhado na obra. No entanto, apesar dos atrativos estéticos, o argumento não me chamou a atenção e fez com que eu fosse até o final do livro com aquele desejo de me livrar dele logo. Não estou dizendo com isso que o livro é ruim. Quem leu minha última resenha deve se lembrar que eu não tinha gostado da minha primeira leitura de Relato de um Certo Oriente, do Hatoum, e na minha segunda leitura fiquei extasiado com o livro. Por isso repito, não estou escrevendo aqui que O Coração das Trevas é um livro ruim. Longe disso. Estou apenas compartilhando uma experiência de leitura que não foi das melhores. Quem sabe em outro momento eu consiga me apaixonar pelo livro. Ou quem sabe eu leio novamente e o deteste deveras. A estória da violência do colonialismo europeu na África é interessante e narrada com maestria pelo autor. Acredito que o culpado fui eu, talvez fiz uma leitura muito desatenta, ou preguiçosa. Espero um dia, ao reler o livro, escrever aqui uma resenha elogiosa. E espero, sinceramente, que alguns dos meus poucos leitores do blog, se já leram esse livro, me convençam de que li de má vontade.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Relato de um Certo Oriente - Milton Hatoum.


É algo curioso. Lembro que minha primeira leitura de Relato de um Certo Oriente, de Milton Hatoum, não me causou boa impressão. Achei que fosse um livro que eu jamais leria de novo. Achei confuso, entediante, chato mesmo. E por todos esses motivos, resolvi dar mais uma chance ao livro e o reli dois anos depois. A impressão foi completamente outra. Chego quase ao ponto de arriscar que esse relato confuso e falsamente bagunçado pode ganhar seu lugar na minha lista de livros preferidos. A vida de Emilie, a matriarca de uma família libanesa, é contada sob diversos pontos de vista, pela voz de diversos narradores. O relato é plural, ao mesmo tempo que há uma mulher que o organiza, ele é fruto de várias vozes que dialogam sobre a vida da matriarca. As falas alternadas dos personagens nos apresentam um mundo que já não existe, mas que insiste em ser lembrado. Solidão, morte, fraquezas, ódio, todos são ingredientes deste relato que nada mais é do que a constatação da vida como ela é. Essa segunda leitura do primeiro romance de Hatoum me ganhou. Por isso, continuo afirmando que em apenas uma leitura não se pode esgotar uma obra. Arriscaria dizer que em apenas uma leitura mal chegamos a conhecer a obra verdadeiramente. Então deixemos um pouco algumas coisas de lado e gastemos um tempo com os livros. Eles são capazes de mudar a visão que temos do mundo, da vida, de nós, e como foi o caso dessa releitura, a visão que temos do próprio livro.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Marília de Dirceu - Tomás Antônio Gonzaga.


O poeta é um fingidor, já dizia Fernando Pessoa. E nosso poeta árcade, Tomás Antônio Gonzaga é exemplo desse célebre verso do escritor português. A poesia nunca foi o meu forte, basta olhar para esse blog e constatar que a grande maioria de textos escritos se referem a resenhas de romances, e uma pequena fatia cabe aos contos. Poesia então, passa longe. Não que eu não goste de poesia, mas confesso minha deficiência na análise desse gênero literário, e por quê não confessar, a prosa romanesca me chama muito mais a atenção. Depois dessas desculpas posso, sem pretensão alguma, deixar cá impressas as minhas impressões dessa nossa obra árcade. Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) veste teatralmente a roupagem do apaixonado, como afirma Massaud Moisés na sua História Da Literatura Brasileira, e finge alimentar uma paixão, encara com gosto a arte da encenação do pastor apaixonado por sua musa. E a louva em todas as liras. Sempre em conformidade com os esteriótipos arcádios, enquanto o poeta louva sua musa aparecem o carpe diem, a exaltação da natureza, a retomada dos valores clássicos, e todas as demais características do aracadismo. Marília se torna o objeto do seu amor e a desculpa para o seu fazer poético. Vale a pena a leitura.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Ressurreição - Machado de Assis.


Machado de Assis, o mais amado e o mais odiado escritor brasileiro, é conhecido pelos leitores por suas obras mais famosas e mais maduras do ponto de vista literário. Difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar de Capitu, ou que não conheça a máxima do filósofo Quincas Borba: “ao vencedor as batatas.” No entanto, talvez pelo trauma que muitos nutrem em relação à literatura machadiana por sua obrigatoriedade no ensino, e pela falta de profissionais competentes para abordar a complexidade da obra do nosso escritor para jovens estudantes, Machado acaba se transformando em um monstro genial, que deve interessar apenas aos profissionais de literatura e aos intelectuais de plantão. Enganam-se. Machado é um exímio descobridor da natureza humana. Nenhum escritor nacional soube explorar o comportamento do homem como Machado de Assis. Nenhum denunciou tão sutilmente as relações entre os homens como fez o nosso gênio. E se pensamos nas suas obras maduras como Dom Casmurro, Quincas Borba, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Esaú e Jacó, Memorial de Aires, não nos esqueçamos que já na sua fase romântica o escritor apresentava características inovadoras para a literatura da época; já na sua primeira fase literária Machado ia a fundo na investigação introspectiva dos personagens. Ressurreição, seu primeiro romance publicado em 1872 traz a conflituosa relação entre os sexos, que anos mais tarde seria novamente explorada em seu clássico Dom Casmurro. Já no seu romance de estréia Machado nos presenteia com uma mulher independente e altiva diante dos códigos sociais de sua época. Lívia, a protagonista, é de uma complexidade fascinante, como é a Capitu de Bentinho. Machado desenvolve algo que podemos chamar de romantismo realista, pois embora inspirada na escola de José de Alencar, a fase romântica de Machado é distinta em seus conceitos e estética. Machado não procura apresentar uma visão totalizante do país, ao invés disso trabalha com um recorte urbano, em que aborda as relações de poder entre os indivíduos da sociedade, sejam homens ou mulheres. Embora algumas características predominantes da escola romântica estejam presentes na primeira fase literária de Machado, como o amor febril, o bem versus mal, por exemplo, Machado recusa as temáticas indianistas, e outras temáticas da escola de Alencar, e começa a escrever uma obra que ganha caráter distinto dentro do quadro da literatura nacional. Machado, ao invés do ufanismo e da exaltação do Brasil, se concentrará nas relações sociais entre os indivíduos. Para Machado, a identidade nacional não está nos índios, nas árvores ou na natureza, mas sim na sociedade. E já em Ressurreição o leitor pode encontrar um retrato do Brasil da época, descrito através de relações entre os indivíduos que, salvo algumas características de tempo e espaço, são relações que pouco ou nada se alteraram ao longo dos anos, desde que a obra foi escrita. Desde seu primeiro romance até o último, bem como em seus contos, Machado soube retratar o Brasil não procurando caracterizá-lo como uma terra distinta das outras, mas chamando a atenção para uma sociedade que não é diferente das outras. Sua denúncia se aplicaria a qualquer lugar em que indivíduos são obrigados a manter relações sociais. Por isso a crítica de Machado continua viva, e nossos leitores devem perder (se o tem) o trauma do mais genial escritor que a literatura brasileira concebeu. Machado não é leitura de vestibular. Machado é leitura do homem e das relações que ele estabelece com o meio onde está inserido. Leiamos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A bagagem do viajante - José Saramago.


Acostumado com os romances de Saramago, para começar o ano me propus a ler um gênero diferente de um de meus escritores preferidos, e tomei nas mãos A Bagagem do Viajante. Trata-se de uma coletânea de crônicas que o escritor publicou primeiramente em jornais e que foram mais tarde reunidas em livro. Eu, admirador da prosa de Saramango desde algum tempo, mas que só havia lido romances do autor português, fiquei apreensivo antes de começar a ler. Imaginava como seria a escrita de Saramago em outro gênero literário e, confesso, tinha medo de me decepcionar. Para alívio meu, enganei-me. E para ser honesto, nunca li crônicas que me soaram tão poéticas como muitas que compõe essa coletânia. Através dos mais variados assuntos, Saramago propõe uma reflexão sobre a vida e sobre a relação homem/mundo. A consição se constitui a principal marca das crônicas reunidas neste livro. Não passam de três páginas. Para os leitores acostumados com seus longos romances, é incrível ver como Saramago condensa suas ideias de maneira primorosa deixando sempre no ar uma reflexão sobre os temas sobre os quais escreve. E sua escrita é tão ágil e ao mesmo tempo tão encantadora que reconhecemos o romancista presente ali, por trás do cronista. A vida em sua diversidade se torna escrita. Tudo é motivo para o escritor nos mostrar o mundo através das palavras: mulheres fumando em um restaurante, os fogos de artifícios portugueses, uma declaração de amor em um muro, um bêbado no meio na rua, tudo se faz motivo para que Saramago poetize através de suas breves crônicas, e lance no papel as palavras que desvendam as diversas paisagens da vida. Aqui Saramago nos sugere que a vida é uma viagem, e que nossa bagagem é fruto do que sabemos ler no cotidiano nosso de cada dia.