terça-feira, 27 de julho de 2010

Angustiado


Não é, mas Angústia, de Graciliano Ramos, poderia ser uma estória banal, que ainda assim, se o narrador utilizasse a mesma linguagem que utiliza para narrar sua estória, ela continuaria figurando entre os livros mais interessantes da literatura luso-brasileira. Comecemos então por ela, a linguagem. Três tempos compõe a narrativa, um tempo presente, que é quando o livro começa; um tempo que remete ao principal feito da narrativa: o amor de Luís por Marina e as conseqüências desastrosas dessa paixão; e um terceiro tempo: a infância do narrador no interior de Alagoas. Graças ao manejo da linguagem pelo narrador, esses três tempos se misturam na narrativa de maneira fascinante. Narrado em primeira pessoa, os pensamentos de Luís se constituem ferramenta fundamental para esse resultado primoroso do trabalho com a linguagem. O que chega ao leitor são os dilemas desse homem deslocado numa capital, e que não consegue se desvencilhar totalmente de sua vida no interior. Isso fica claro quando a narrativa principal é “interrompida” pelos devaneios do narrador que busca sempre relacionar o presente com seu passado. E não se esgota aí, mas tenho medo de acabar revelando surpresas sobre o enredo da estória e assim estragar a leitura de quem me lê e ainda não se aventurou pelas páginas de Angústia.
Outro aspecto importante é o argumento da obra. Como eu mencionei, se Angústia apresentasse um argumento banal, mas conservasse a linguagem que o autor emprega, ainda assim seria uma obra interessante. No entanto, o argumento é dos mais fascinantes. O personagem principal atinge proporções dostoievskianas quando narra a autopunição que ele se impõe no final da narrativa. E não somente ele, os personagens são de uma simplicidade que cativam: Dona Vitória e seu papagaio, seu Ivo, Dona Rosália e o marido que o narrador nunca vê o rosto, dona Adélia, Julião Tavares, e claro, Marina, com seus cabelos de fogo. Mas a simplicidade está apenas nos personagens, no estilo de vida que levam. Sua caracterização é complexa, se misturam na pena do narrador quando este mescla os tempos e compara pessoas e situações de sua vida presente com a passada.
Leitura obrigatória, Angústia, de Graciliano Ramos, não é apenas a estória de um homem e sua condição em uma capital de um determinado país, em um determinado momento. É uma estória atemporal pois traz a essência humana, essa angústia que trazemos cá dentro, mas em um nível que para o narrador dessas memórias culminou no desfecho narrado na obra. Não há como não ler e não se sentir angustiado. Para os que se aventurarem pelas páginas desse mestre da literatura brasileira, boa leitura e boa angústia pra vocês.

2 comentários:

Marcelo R. Rezende disse...

Fiquei com medo de ler, não gosto de sair angustiado de um livro. Mas juro que tentarei lê-lo.

David Ramos disse...

Meu lindo, não vou mentir pra você que o unico livrro que li do meu "parente" foi Vidas Secas (com o mérito de ter lido por que quis não por que professor nenhum tenha pedido).Não sei o por que de nunca mais te-lo lido... vou pensar melhor nisso...
Menino fiquei surpreso com seus post... você escreve muitissimo bem!!
Beijos
Fiquei super feliz por vc ter comentado no meu Blog .. não escrevo como vc.. tenho assuntos familiares engraçados..mas são só lembranças transcritas!