
Para mim é difícil escrever sobre poesia. Confesso que não é o meu forte. Mas não podia deixar de comentar essa leitura mais que prazerosa de Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Comecemos então por partes. Primeiramente, deixemos claro que romance, dentro da poesia, se trata originalmente de uma espécie de poema épico popular, cantado, acompanhado com música. O gênero ao longo do tempo sofreu modificações (como qualquer gênero literário) e hoje podemos concebê-lo como um tipo de poema narrativo, tal qual a literatura de cordel, que por sinal tem forte influência do romance na sua composição. Não é objetivo desse texto remontar a origem da forma poética em questão, nem acompanhar a sua evolução ao longo da história da literatura. O que pretendo é apenas dar uma pincelada pra que se entenda o que chamamos romance dentro da poesia. Nesse sentido, quando se tem vários poemas narrativos que versam sobre um determinado tema, a compilação desses poemas recebe o nome de Romanceiro. Dito isso, posso começar a escrever sobre o que me interessa.
Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, como o próprio nome diz, trata da Inconfidência Mineira. Os personagens que fizeram história são motivo de composições belíssimas para nossa poetisa. Mas não só eles. Tudo é motivo para Cecília poetizar: o desejo de liberdade, a ambição, a violência, a esperança, o medo. Através de seus versos Cecília nos mostra um lado da Inconfidência que não está nos livros de História do Brasil. Seus versos especulam sobre uma diversidade de sentimentos, sejam eles dos heróis, sejam eles dos vilões. Há poema para todos. Não ficaram de fora nem os cavalos que participaram da Inconfidência. Seu olhar se detém sobre tudo, sobre todos, com grande variedade de formas em cada romance. E no meio dessa variedade de quase cem romances fica difícil escolher um preferido. Se eu tivesse que me arriscar a escolher um, creio que seria o poema que versa sobre a morte de Cláudio Manoel da Costa. Todo o romance guarda o mistério que gira em torno do nosso poeta árcade. Fosse eu romancista (agora no sentido da prosa de ficção), e faria com Cláudio Manoel da Costa o que fez Saramago com Ricardo Reis. Na verdade, não estou sendo tão original assim, afinal Silviano Santiago já ficcionalizou sobre a morte do nosso poeta inconfidente. Acontece que ao ler o poema de Cecília sobre a misteriosa morte de Cláudio Manoel da Costa, me despertou o desejo de ler (ou de escrever?) uma estória que tivesse como pano de fundo Cláudio vivo depois que todos o julgassem morto. E o que é literatura senão isso? Um livro é sempre uma resposta a outro livro, já dizia Umberto Eco em O Nome da Rosa. Esse dialogismo mantém viva a literatura. E é esse dialogismo que levou Cecília a escrever o seu Romanceiro. Uma composição que vai muito além da Inconfidência Mineira. Uma composição que nos deixa marcas. Poemas que segundo Ana Maria Machado, ficam pra sempre. Aí reside a boa literatura.