domingo, 29 de agosto de 2010

O dialogismo na literatura.


Para mim é difícil escrever sobre poesia. Confesso que não é o meu forte. Mas não podia deixar de comentar essa leitura mais que prazerosa de Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Comecemos então por partes. Primeiramente, deixemos claro que romance, dentro da poesia, se trata originalmente de uma espécie de poema épico popular, cantado, acompanhado com música. O gênero ao longo do tempo sofreu modificações (como qualquer gênero literário) e hoje podemos concebê-lo como um tipo de poema narrativo, tal qual a literatura de cordel, que por sinal tem forte influência do romance na sua composição. Não é objetivo desse texto remontar a origem da forma poética em questão, nem acompanhar a sua evolução ao longo da história da literatura. O que pretendo é apenas dar uma pincelada pra que se entenda o que chamamos romance dentro da poesia. Nesse sentido, quando se tem vários poemas narrativos que versam sobre um determinado tema, a compilação desses poemas recebe o nome de Romanceiro. Dito isso, posso começar a escrever sobre o que me interessa.
Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, como o próprio nome diz, trata da Inconfidência Mineira. Os personagens que fizeram história são motivo de composições belíssimas para nossa poetisa. Mas não só eles. Tudo é motivo para Cecília poetizar: o desejo de liberdade, a ambição, a violência, a esperança, o medo. Através de seus versos Cecília nos mostra um lado da Inconfidência que não está nos livros de História do Brasil. Seus versos especulam sobre uma diversidade de sentimentos, sejam eles dos heróis, sejam eles dos vilões. Há poema para todos. Não ficaram de fora nem os cavalos que participaram da Inconfidência. Seu olhar se detém sobre tudo, sobre todos, com grande variedade de formas em cada romance. E no meio dessa variedade de quase cem romances fica difícil escolher um preferido. Se eu tivesse que me arriscar a escolher um, creio que seria o poema que versa sobre a morte de Cláudio Manoel da Costa. Todo o romance guarda o mistério que gira em torno do nosso poeta árcade. Fosse eu romancista (agora no sentido da prosa de ficção), e faria com Cláudio Manoel da Costa o que fez Saramago com Ricardo Reis. Na verdade, não estou sendo tão original assim, afinal Silviano Santiago já ficcionalizou sobre a morte do nosso poeta inconfidente. Acontece que ao ler o poema de Cecília sobre a misteriosa morte de Cláudio Manoel da Costa, me despertou o desejo de ler (ou de escrever?) uma estória que tivesse como pano de fundo Cláudio vivo depois que todos o julgassem morto. E o que é literatura senão isso? Um livro é sempre uma resposta a outro livro, já dizia Umberto Eco em O Nome da Rosa. Esse dialogismo mantém viva a literatura. E é esse dialogismo que levou Cecília a escrever o seu Romanceiro. Uma composição que vai muito além da Inconfidência Mineira. Uma composição que nos deixa marcas. Poemas que segundo Ana Maria Machado, ficam pra sempre. Aí reside a boa literatura.

12 comentários:

Marcelo R. Rezende disse...

Adoro Cecília.
Meu pai diz que meus poemas são parecidos com os dela. Um acinte.
Tentarei ler esse... mais o do outro post... e mais o do post mais antigo... e um dia eu consigo ler todos, rs.

Beijo bRu.

fauller disse...

Que bom o teu recadinho no meu blog, que bom mesmo.
Li esse seu ultimo texto agora, você realmente escreve de forma bastante articulada e clara. O que você faz na vida? Me desculpa a curiosidade. E outra coisa que não posso deixar de falar: vc é muito gato mesmo! Se puder me add no msn.
Um beijo!

Anônimo disse...

Bruno, que alegria o teu comentário no InterTextual, o teu interesse pela Língua Portuguesa e a tua escrita tão cuidadosa. Parabéns, cara.

Anônimo disse...

Caso queira, adicione-me:
http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=13530510396613202188

Abraço.

fauller disse...

Vou ficar completamente mal acostumado com os seus comentários. Você é um orgasmo intelectual,rs, sabe quando alguém escreve de forma que te desperta prazer? Então é isso, fico curioso sobre você...
Ah, e não tem nada demais em dividir o meu blog, rsrs. Que bom que gosta das minhas fotos, amo as possibilidades frente a uma objetiva, penso fotografia desde criança, muito antes da dança.
Só uma coisa, você não me respondeu se trabalha escrevendo, e quero saber se também gosta de Oscar Wilde, Clarice Lispector, Mario Quintana, Michel Onfray, Caio Fernando Abreu, Kafka e Dorothy Parker. Desculpa ainda não vi seu blog inteiro, mas na medida do meu tempo vou te visitando.
Beijo meu!

fauller disse...

quero mesmo saber mais de você...

DO disse...

Só o via nas fotos,pelo flog e,de repente,deparo-me com tamanho texto de alguém que sabe ,e bem,do que fala.
Que surpresa boa!!

Imagine se não virei com mais frequencia.

Abração,BRU!

fauller disse...

Pois é. Eu adoro o tamanho do seus comentários. Mas na verdade queria mesmo outro espaço pra falar com você. Aqui nos comentários é tudo muito impessoal, enfim, tens msn? Ou email? rsrs. Mas se não quiser me enviar fique a vontade, eu entendo.
Mas que bom que cursa letras, eu coincidentemente também quero cursar, mas infelizmente (ou felizmente) estou em um momento da minha vida em que não paro na minha cidade, e ano que vem, que seria o ano pra isso, já tenho compromisso.
Hoje eu havia escrito um belo texto sobre uma residência que tenho aqui em Fortaleza no fim do mês, chama-se, Corpo: abrigo da cidade.
Aí sem querer perdi o texto, fiquei puto, rsrs. Vou ter que escrever tudo de novo. Rapaz, voce professor de piano, que coisa linda, adoro fazer aula de balé com piano, é mil vezes melhor que com música mecânica.

fauller disse...

Quantos aos escritores, eu adoro s mais malditos, rsrs. Amo Oscar Wilde, o Caio Fernando Abreu lembra muito a Clarice na forma de escrever, também ele a amava, não é?
O Kafka era realmente sombrio, acho que por isso me identifico, e o Michel Onfray é um jovem filosofo francês, acabei de comprar um livro dele, "A potência de existir", parece nome de livro de auto ajuda, rsrsrs, mas acho bonito, e o conteudo é bem interesante. Quanto a você, putz, você gosta mesmo de escritores dificeis, me sinto um "ogro" perto de você, rsrs.
Então é isso, amamos a literatura, a fotografia, as artes...rsrs. Muito bom mesmo!
Vou escrever meu texto.
Beijo e boa noite!

David Ramos disse...

Conheço tão pouco da obra de Cecilia e vc me mostrou que esta mais que na hora de dar uma atenção a ela.
Queria escrever tão bem como vc!

Abraços Bruno

Anônimo disse...

Voltando pra conferir se havia novidades e aproveitando pra reafirmar que tuas letras são muito bem empregadas.

Abraço.

Magno A. disse...

desculpa ser tão sincero, mas mesmo considerando por demais Cecília com sua extrema delicadeza e inteligência, eu nao tenho tanto apego a este livro quanto tenho aos outros. é uma longa história, na verdade, que pode ter sido consequencia de um trauma bobo, mas nao tenho boas lembranças da leitura nem do contato com este livro. Porém nao posso negar a sua importância tanto historicamente, quanto poeticamente falando.
Queria dizer também que vc dialogou muito bem acerca do conteúdo, trazes traços de um grande estudante de letras ( se não fores um, assim como eu rsrs).

até breve.