quarta-feira, 13 de outubro de 2010

São Bernardo - Graciliano Ramos


É prática recorrente na literatura alguém contar suas memórias para tentar convencer-se de alguma coisa. Os exemplos são vários. Podemos citar Riobaldo de Grande Sertão: Veredas, que conta sua história na tentativa de entender se houve ou não o tal pacto com o diabo. Exemplo mais famoso em nossa literatura, Bentinho, nosso Dom Casmurro, tenta convencer a si mesmo da traição de Capitu, e narra suas memórias com um enredo perigosíssimo, e espera no leitor um cúmplice que concorde com seu ponto de vista. Mas para mim, nenhuma memória se compara as de Paulo Honório, de S. Bernardo. Segundo romance de Graciliano Ramos, S. Bernardo narra a vida no campo sob o prisma do dominador. É sob o olhar de um homem rude, grosseiro, impetuoso e por vezes malvado que nos chega a narrativa. Depois de acontecimentos que o marcam profundamente, Paulo Honório decide escrever um livro. A princípio tenciona fazê-lo em grupo. Frustrada essa tentativa decide ele mesmo, homem sem estudo, compor as suas memórias e deixá-las impressas no papel. O resultado é uma narrativa em que a língua falada se mistura à língua escrita de maneira deliciosa, numa prosa que traz aquilo de mais universal que existe na literatura: a condição do ser humano. Paulo Honório batalha a vida inteira para conquistar e manter a posição social almejada, e o saldo dessa luta é lindamente descrito no último capítulo do livro. A condição de Paulo ultrapassa os limites do nordeste brasileiro, pois suas memórias, além da descrição da vida no campo, é a descrição de vidas. De vidas simples com toda sua complexidade. Paulo Honório recorre à pena para convencer-se de que tudo o que fez valeu a pena. Acredito que S. Bernardo seja a memória mais bem escrita que já li. Se não for, pelo menos é, sem dúvida, a que mais me tocou.

4 comentários:

Jay Jay disse...

Depois de Memorial do Convento, voltei aqui tantas vezes e nada encontrava de novo. Pensei que se te tinham secado as palavras. Retorno aqui muitos meses depois e seu blog, vivo, rejubilante daquele amor pelos livros, que não é comum na maioria das pessoas. Há agora tanto para ler aqui, mas a pausa nas partituras não me permite, para já, recuperar o tempo perdido.
Obrigado, B

Anônimo disse...

A escrita do Graciliano Ramos produz mesmo esse efeito tocante, pois reproduz de maneira palpável a realidade.

Dario Dariurtz disse...

São Bernardo foi um dos primeiro livros que li, e lembro que foi chocante, eu um adolescente cheio de preconceitos, achei tudo um absurdo, mas pra mim o livro era um desafio, não conseguia parar de ler. Cheguei a reler há pouco tempo, mas a leitura e as impressões tinham outro sabor, posso dizer que foi um redescoberta de mim.

Ps: Brigado por me lembrar de Graciliano.

Beijo.

Marcelo R. Rezende disse...

Deu até vontade de ler *-*
Só tenho uma coisa a dizer, aliás, duas, mas a primeira é: Capitu é uma injustiçada.
Segundo: saudades de você, muitas.

Beijo, belo!